Saúde Mental e Trabalho: precisamos conversar

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3 min readJan 9, 2023

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Em 2020 dei uma entrevista a uma aluna da Universidade do Minho que estava desenvolvendo uma dissertação sobre saúde mental e trabalho. Na época, burnout e outros problemas de saúde mental relacionados ao trabalho ainda eram menos discutido do que hoje, mas as reflexões continuam valendo:

  • Que impacto o trabalho pode ter na saúde mental?

São vários os impactos que o trabalho pode ter na saúde mental: positivos e negativos. O trabalho tem um papel estruturante na vida do indivíduo. No trabalho ele pode se construir por meio do prazer, quando exterioriza sua criatividade e sabedoria para o mundo, por exemplo, e , por outro lado, o trabalho também pode ser fonte de sofrimento.

Nas últimas décadas, o impacto negativo do trabalho incidia principalmente sobre o corpo físico do trabalhador; lesões por esforço repetitivo, intoxicações e acidentes de trabalho. Esses agravos à saúde ainda persistem, mas tem-se observado um crescimento de aspectos relativos à saúde mental relacionados ao trabalho, como transtornos mentais, que têm origem principalmente nos atuais modelos de flexibilização e precariedade das relações de trabalho.

Importante salientar que ainda não está sedimentado, dentre os profissionais de saúde e dos modelos gerenciais de trabalho, que o trabalho é um condicionante de saúde. Portanto, certamente ainda há muitos casos de transtorno mental dissociados das relações de trabalho.

  • E que impacto a saúde mental pode ter no trabalho?

Um trabalhador que tenha seu processo de trabalho como estruturante positivo de sua condição certamente conduzirá seus afazeres de forma plena, com prazer e produtividade — ainda tendo em conta que o trabalho como fonte de contentamento não é aquele desprovido de desafios e dificuldades, mas aquele que dá ao trabalhador condições seguras e fiáveis de realização do ofício profissional.

Por outro lado, um profissional adoecido, pode, em última instância, não estar apto ao trabalho, condição em que há o afastamento por indicação médica. Também há casos em que o profissional está adoecido, mas continua fisicamente no trabalho e não consegue produzir; é o chamado presenteísmo. Nesse caso, para além da falta de produtividade, as relações do trabalhador no seu ambiente de trabalho ficam prejudicadas.

  • O que devia ser melhorado nas condições de trabalho para que a saúde mental dos trabalhadores não saia prejudicada?

Estamos vivendo uma forte tendência de flexibilização do trabalho, o que estão chamando de “uberização” do trabalho. Nesse modelo, as condições do trabalhador são muito frágeis porque não há qualquer garantia social ou direito trabalhista que dê ao trabalhador uma segurança em condição de desemprego ou doença, por exemplo.

O trabalhador submetido a essa condição está constantemente com a sensação de insegurança e desamparo, sob a falsa sensação de independência por ser denominado de “microempresário”, sendo “livre” por ser seu “próprio patrão”. Essa situação é uma condição ideal para o aparecimento de desequilíbrio mental.

Ainda, estão muito comuns os contratos por tempo determinado e as terceirizações, ou outsourcing. Também são formas de contratação que relaxam os direitos trabalhistas e colocam o trabalhador em situação frágil. Essas novas formas de trabalho devem ser postas em discussão para que a sociedade reflita sobre os modelos de trabalho que querem. Esse processo é difícil porque envolve questionar o status quo do modelo econômico hegemônico, mas desnaturalizar esses modelos adoecedores é essencial para se propor novas formas de trabalhar.

  • As empresas dão o apoio necessário aos trabalhadores com alguma doença como depressão ou transtorno de ansiedade? Se não, que apoios podiam ou deviam ser criados?

De acordo com a legislação trabalhista de cada país, sim, as empresas devem dar um mínimo de apoio que normalmente consiste em afastamento. Falar em saúde mental ainda é um tabu, portanto, o trabalhador que se afasta por condições mentais, quando volta ao trabalho pode ser estigmatizado pelos próprios colegas de trabalho. Nessa situação, as empresas poderiam, por exemplo, criar programas educativos no sentido de incluir — e não excluir — o trabalhador nessas condições.

Ainda, antes de haver o adoecimento, também sugere-se que nas empresas existam espaços coletivos onde os trabalhadores possam abertamente conversar sobre suas relações de trabalho. Entretanto essa opção só existe em uma condição em que o trabalhador se sente suficientemente seguro para expor suas fragilidades sem o temor de perder seu emprego.

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